quinta-feira, 17 de março de 2011

Belluzzo: Obama não leu Roosevelt

Só se deve ter “medo do próprio medo”, ensinava o presidente do New Deal.
Eleito sob a esperança de mudança (chance, change), Barack Obama governa sob o signo do medo e da omissão. Imobilizado diante da fúria conservadora, o presidente dobrou os joelhos e aceitou ignorar o discurso inaugural de Franklin D. Roosevelt, em 1933, que conclamou o povo americano, então atormentado por um desemprego de 23%, a só “ter medo do próprio medo”.
Os medos de Obama o aconselharam a propor soluções de pé quebrado para as questões que afligem a maioria da sociedade americana. Entre tantos problemas, na linha de frente figuram a regulamentação dos mercados financeiros, o tratamento dos 11 milhões de mutuários afogados em dívidas hipotecárias que ultrapassam o valor dos imóveis adquiridos, os métodos violentos utilizados pelos credores para recuperar as casas e, finalmente, a batata quente do déficit fiscal e da dívida pública do governo federal, dos estados e dos municípios.
Em entrevista concedida ao jornal inglês The Independent, o ator Matt Damon disparou contra o presidente: “Acho que ele está completamente submetido a Wall Street. A economia tem problemas enormes. Ainda temos os bancos que são grandes demais para falir. Eles estão ainda maiores e fazendo mais dinheiro do que nunca. Desemprego a 10%? É terrível”.
Damon, vencedor do Oscar de 2011 e ativista liberal, empenhou seu prestígio hollywoodiano na campanha presidencial de Obama. Não foram poucas as personalidades que entraram de corpo e alma no movimento que alçou o senador por Michigan à Presidência dos Estados Unidos da América. Estão quase todos tão decepcionados quanto os devedores desempregados, expulsos de suas casas, e obrigados a dormir, comer e sobreviver nos automóveis que escaparam à sanha recuperadora dos banqueiros.
É ingênuo imaginar que as omissões e recuos de Obama são apenas produto de uma personalidade frágil. A explicação é fácil demais para ser verdadeira. As vacilações do presidente exprimem, na verdade, o enfraquecimento das bases sociais do Partido Democrata. A desindustrialização promovida pela “deslocalização” da grande empresa suscitou não só a destruição em massa dos empregos nas fábricas, como também reduziu as oportunidades de ocupação nos serviços ligados ao dinamismo industrial. Aumentou o número de empregados precários em serviços de baixa remuneração. A queda dos rendimentos dos 90% inferiores da escala de distribuição de renda nos últimos 30 anos – o que inclui o declínio da classe média americana – não é novidade para ninguém. A desorientação do Partido Democrata não é um fenômeno recente. Há que lembrar o papel de Bill Clinton e de seus colaboradores, Lawrence Summers e Thimoty Geithner, na “batalha” pela desregulamentação financeira que culminou, em 1999, com a promulgação da Lei Gramm-Leach-Bliley. A lei abriu as porteiras para as façanhas dos espertalhões e sabidos do mercado financeiro, legitimados pelo esoterismo de modelos pseudocientíficos de precificação de riscos, sob o manto protetor das agências de avaliação da qualidade dos ativos.
A perda de substância programática do Partido Democrata deu azo à crescente agressividade dos conservadores, que, entre outras peripécias, se sentiram encorajados a aumentar os decibéis da gritaria contra os déficits e a dívida pública. Déficits e dívida gerados em grande medida, diga-se, pelo socorro do governo aos financiadores das campanhas eleitorais de muitos congressistas.



Enquanto clama contra os gastos do governo, a bancada republicana, majoritária, enfiou goela abaixo do presidente a manutenção do presente tributário aos ricos, prorrogando o mimo concedido por George W. Bush aos endinheirados. Mas, na sociedade encantada pelos mitos da “utopia realizada” e “da terra das oportunidades”, o aumento indecente da desigualdade e a prática desavergonhada do favorecimento aos ricos e às grandes empresas e bancos explodem na cara dos descarados.
Os movimentos de reação ao tratamento desigual e à supressão de direitos, que começaram com as manifestações dos funcionários públicos de Wisconsin, estão a se disseminar por outros estados. A eles se juntam os protestos dos cidadãos americanos expulsos de suas casas pela truculência dos credores, amparados numa lei de falência que os favorece. Multiplicam-se os grupos dispostos a defender os prejudicados, o que ensejou uma proclamação de promotores (Attorneys Generals) que exigem condições mais equânimes na negociação entre credores e devedores.
O cineasta Michael Moore arengou no dia 5 de março para os revoltosos de Wisconsin: “Os Estados Unidos não estão quebrados. O país- está inundado de dinheiro. O problema é que a grana não está no bolso de vocês. Ela foi transferida, no maior assalto da história, dos bolsos dos trabalhadores e consumidores para os bancos e para os portfólios dos super-ricos. Hoje, apenas 400 americanos possuem mais riqueza do que a soma do que é possuído por metade da população”. Strike!
PS do Viomundo: O professor cometeu um pequeno engano. Obama é de Illinois, não de Michigan, mas é tudo ali pertinho.
Fonte: 
14 de março de 2011 às 9:07h


Outra notável contribuição do Coordenador do Colegiado de Contábeis da UESB, Profº Paulo Pires.

Um comentário:

  1. A expressão "batata quente" Talvez se encaixe com mais propriedade à gestão do B. Obama. Como reajustar a economia do pais depois do mercado "Sub-prime" que arrastou boa parte do globo consigo?. Um pais que teve um crescimento no PIB de 2010 de 2,8%, o maior em 5 anos. Mesmo sendo a maior economia do mundo é insustentável o investimento feito em 20 de Março de 2003 de US$ 748 Bilhões pelo então presidente J.W. Bush na guerra do Iraque, herança maldita? Ainda mais agora que o Obama não tem a Europa para financiar seus "brinquedinhos" bélicos como na 2º Guerra Mundial. Julgo com um pouco mais de cautela a posição do Obama tendo em vista que política não se faz com coalisão, nem tampouco com uma "ditadura" diplomática que não se ajusta ao conceito de vencer pelo diálogo. A economia Americana é hoje um gigante sem pernas. Suas fragilidades ficaram evidentes durante a crise do final de 2008. Uma lei de responsabilidade fiscal como a do Brasil seria bem vinda aos Americanos. Outro fator importante é a fase do "capital nocivo" que é o capital que entra no pais sofre rendimentos e volta para o local de origem sem gerar empregos ou rendas para o pais, mau este que tanto sofre o Brasil. Nada é perfeito, como também a defesa para qualquer caso. Mudar a qualquer preço às custas de seu pescoço não é nada prudente. Entretanto a inércia é prejudicial, o Obama deve se mexer com mais veemência.

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