segunda-feira, 25 de julho de 2011

Naufrágio curricular

"Queremos continuar com uma
população que ouviu falar de todas as
teorias mas não sabe usar nenhuma?"

O rei Gustavo Adolfo da Suécia, para defender-se de seus inimigos, decidiu criar o mais poderoso navio de guerra. Importou os melhores construtores navais, e os cofres públicos foram sangrados para produzir um barco invencível. Mas o rei o queria ainda mais invencível e mandou instalar mais um de que superior, com mais peças de artilharia. O navio, com o nome de Vasa, enfunou as velas em 1628 e, sob um vento suave, singrou a baía de Estocolmo. Mas, subitamente, apenas deixando o porto, vira e afunda. Era instável, pelo excesso de canhões e pela falta de lastro.
Nossos doutos educadores e autores de livros didáticos criam currículos invencíveis. Tudo que pode ser importante é nele anexado. E, como há cada vez mais coisas importantes, o currículo vai ficando mais pesado e mais invencível. Como o Vasa, os alunos afundam sob o peso de tantos conhecimentos e de tantas informações preciosas. E, nas profundezas ignotas dos oceanos intelectuais, naufraga sua educação.
Os japoneses, contados dentre os campeões mundiais em educação, fazem seus currículos para que todos os alunos normais entendam tudo. O MEC até que enxugou os nossos, mas, no trajeto até a sala de aula, o terreno é minado. Para autores e professores, é um desdouro que até mesmo os alunos geniais possam entender tudo que se ensina. Ainda não foi enterrado o último professor que se vangloria de só dar 10 quem sabe mais que ele.
O preço de um currículo entulhado de informações – que isoladamente podem ser úteis e até interessantes – é que não sobra tempo para ser educado. É preciso pisar no acelerador para conseguir ouvir falar de tudo. Como não há tempo para aprender, decora-se. Entre reis de França, afluentes do Amazonas e derivados de carbono, acumulam-se inutilidades memorizadas. E têm a mesma sina as leis, as teorias e os princípios científicos, que ajudariam a entender o mundo, se fossem entendidos.
Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, veio ao Brasil em 1950 para dar um curso para professores. Ficou estarrecido e anotou em seu livro de memórias: "Os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o significado de nada. (...) Nada tinha sido traduzido para palavras com significado. (...) Eles podiam passar nos exames e 'aprender' todas aquelas coisas, e não saber nada". Após meio século, continuamos na mesma, sabendo as fórmulas e incapazes de usá-las.
David Perkins (no livro Smart Schools) nos diz claramente que, se não entendermos o aprendido, ele não servirá para nada. Aprendemos ao pensar com e pensar sobre o que estamos estudando. Aprender é uma conseqüência de refletir a respeito do que está sendo apresentado na aula. A visão convencional é que adquirimos um conhecimento e depois aprendemos a usá-lo. Trágico engano. Aprendemos somente pelo ato de pensar no que estamos aprendendo. E o conhecimento só é realmente adquirido quando podemos pensar usando o que foi aprendido. Mas o nosso Vasa curricular não deixa tempo para que isso aconteça. Resta aos alunos a lembrança de haver ouvido falar de muitos fatos e muitas teorias. O preço da sobrecarga de informações é a falta de profundidade, é a incapacidade de usar o que parecia ter sido aprendido, mas que era um conhecimento inerte, inútil e que não pode ser mobilizado para entender o mundo e resolver problemas.
É preciso coragem para dizer não à avalanche curricular. E muitas vezes um professor individualmente não pode fazê-lo, pois há provas e maratonas curriculares a ser cumpridas a ferro e fogo. Mas é aqui que se define o futuro de um país. Queremos continuar com uma população que ouviu falar de todas as teorias mas não sabe usar nenhuma? Que recite os ossos do pé e centenas de nomes da taxionomia de Lineu? Ou queremos que entendam um manual de instrução? Tudo está na internet. Mas decidir o que buscar e usar bem o que encontrou é para aqueles que aprenderam a articular seu raciocínio. Nossos alunos continuarão tendo o mesmo destino do Vasa, com currículos invencíveis e tendo sua educação afundada pelo excesso de peso?

CLÁUDIO DE MOURA CASTRO

Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/014/14ccast.htm


Esta matéria é uma contribuição do discente Rodrigo Neves, componente do Grupo de Pesquisas e Estudos Contábeis - Graciliano Ramos

3 comentários:

  1. O texto evidencia com precisão a aviltante situação do atual sistema de educação brasileiro. Nossas academias não estão empenhadas suficientemente na promoção de um ensino que satisfaça as expectativas do alunado e da comunidade local. O que observamos é o despejo de uma verdadeira avalanche de informações sobre os alunos, dados que na maioria das vezes, nunca serão utilizados pelo profissional na sua função operacional. Não se tem a preocupação nem se quer mesmo de adequar as disciplinas (de outros departamentos)a realidade do curso. Dessa forma nossas escolas não formam cidadãos pensantes, indagadores, criticos e sobretudo pesquisadores, pois estes, se tranformam em "máquinas alienadas" meros repetidores, reprodutores de idéias e informações alheias em detrimento do objetivo precípuo ds academia, que é, formar profissionais aptos a contribuiir para o crescimento e desenvolvimento da sociedade em todos os níveis.

    Rodrigo Neves - discente do Curso de Ciências Contabeis da UESB e, componente do Grupo de Pesquisas e Estudos Contabeis - Graciliano Ramos.

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  2. Eu, da minha parte, continuo apelando para o pensamento crítico que a universidade tem de criar no alunado (pois isso o prepara para o enfrentamento de quaisquer situações que o tenebroso mercado venha a lhe exigir). Mas, não o entendo de forma simplória, ou seja, apenas treinando-os com saberes típicos e tópicos exigidos por esse mercado. Pois, como determina Pipier, "uma formação não baseada na Filosofia, não perpassada de Filosofia, não pode ser chamada de acadêmica". Até porque, como determinado nos dizeres de Musse und Kult, apud Luiz Jean, o "direito da Universidade, da formação acadêmica, e da formação em geral no sentido próprio da palavra, a saber, naquele sentido pelo qual, por princípio a formação se distingue da simples instrução profissionalizante e a ultrapassa. Instruído é o funcionário e a instrução (profissional) se caracteriza por dirigir-se a um aspecto parcial e específico no ser humano e, ao mesmo tempo, a um determinado setor recortado do mundo."

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  3. É difícil sairmos de nossa situação de conforto. Nós, alunos, vivemos a reclamar, de tudo e de todos. Mesmo que alguns o fazem por interesse de questionar para ajudar a construir, aparentemente pelo processo dialético, boa parte do alunado reclama sem nem saber de quê. Quando tem acesso às informações reclamam, "meu Deus, tanta coisa para estudar, estou cansado (a) disso tudo". Quando não tem reclama, "Essa grade é um absurdo, essa instituição não presta, como seria bom se tivéssemos aula de determinada disciplina". É um impasse contraditório. É fácil pinçar um ou outro problema e elegê-lo como a gênese de todos os infortúnios. Não devemos modelar os fatos às nossas teorias. Tanto existem alunos desinteressados em cumprir com seu papel de Universitários, serem criadores e construtores de conhecimento, discutindo idéias como idealizara Platão, como também professores que não cumprem horários, que visivelmente não se interessam nem um pouco em estabelecer um contato profissional mais solidário e humano com seus pupilos. Acredito que não há fórmulas ou procedimentos estatísticos que possam definir o que ocorre na essência. Entretanto continuo a creditar que o ímpeto e a vontade de aprender são capazes de nos guiar a lugares que nunca imaginamos estar. A voracidade que determina o que somos capazes de fazer vem do amor com que nos empenhamos a despender em busca de nossos sonhos, anseios ou pretensões. Identificando o que queremos de verdade somos capazes de, assim como Rodim fazia com um cubo de cobre, pegarmos uma montanha de informações e lapidá-la com nossas vontades profissionais. Ademais, no âmago de minha inquietude, acredito que a construção do verdadeiro conhecimento nos dias de hoje não é feita com alunos, professores e Universidades isolados uns dos outros, mas sim, com todos saindo dos pedestais e unindo forças, experiências e conhecimentos em prol da sociedade.




    Werley Brito Novais - discente do Curso de Ciências Contabeis da UESB e, componente do Grupo de Pesquisas e Estudos Contabeis - Graciliano Ramos.

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