sábado, 20 de agosto de 2011

FUNDAÇÕES PÚBLICAS ESTATAIS ADMINISTRADAS SOB DIREITO PRIVADO:

Gilson Carvalho1

Desconheço se, por desinformação ou dolo, muito se tem truncado dos conceitos na discussão
sobre as Fundações Públicas Estatais administradas sob direito privado. A regulamentação
desta modalidade está em discussão na saúde há já vários anos por iniciativa da Jurista Lenir
Santos. Mais recentemente o Executivo enviou Projeto de Lei ao Congresso Nacional,
propondo a regulamentação daquilo que já está previsto, autorizado e legitimado pela
Constituição.

A EC-19-98 tirou do Art.37,XIX da CF a expressão Fundação Pública e substituiu-a
por Fundação, o que equivale dizer que abriu a autorização para fundações públicas e
privadas. Apenas ficou em aberto, na CF, uma lei complementar para “definir as áreas de sua
atuação”. O que hoje propõe o Governo ao Congresso.

Uma Fundação pode ser pública ou privada. O público só pode constituir fundações públicas e
o privado, fundações privadas. O público tem duas opções constitucionais. Pode constituir
fundações públicas administradas sob o direito público (autarquias) ou fundações públicas
administradas sob direito privado. Estas denominadas, informalmente, de fundações estatais
cujos detalhes de regulamentação se encontram em discussão.

Fundação Pública Estatal, administrada sob o direito privado não é um ente privado, mas sim
um ENTE PÚBLICO. Constituir Fundações Públicas Estatais jamais poderia ser categorizado
como um ato de privatizar o público. Fundação Pública Estatal sob direito privado só pode ser
criada pelo público. É pública, com objetivos públicos, financiada pelo público, executando
ações públicas, controlado pelo público, o que vale dizer, pelos cidadãos. Ignorância ou má fé,
dizer o contrário? Vontade de esclarecer ou confundir e manipular as pessoas?

A segunda questão polemizada é a relativa à forma de contratação de pessoal para estas
Fundações. Existem dois sistemas básicos de contratação de pessoas para trabalharem nos
entes públicos. O sistema estatutário e o celetista. Contratar alguém como celetista, pelo
Regime Geral de Previdência da CLT não é nenhum forma de contrato sórdido, desprezível,
precarizado etc. É o regime em que estão milhões de brasileiros, constitucional e legalmente
protegidos. Não se trata de um regime demoniacal a ser execrado e exorcizado. Se assim for,
estamos deitando fora o art. 7º da Constituição que trata das garantias dos “trabalhadores”
(regime CLT).

Estaremos negando o direito constitucional garantido aos Agentes Comunitários
de Saúde de serem contratados pela CLT (EC-51), como autorizou a CF? Ou seriam eles
trabalhadores de segunda categoria e por isso pode? Ou não seriam eles trabalhadores
públicos? Ou não seriam da função saúde? Mais ainda: e os Consórcios Públicos, para todas
as áreas incluindo saúde que, segundo a lei aprovada e defendida, saiu determinando a
contratação de mão de obra sempre pela CLT, sendo eles públicos ou privados?

Existem, na área de Saúde Pública, funções típicas de estado que só podem e devem ser
exercidas por pessoas que estejam regidas pelo regime estatutário. Destacam-se na área de
saúde pública as funções de gestão da saúde (regulação, fiscalização, controle) e
determinadas funções executivas como a de vigilância à saúde (epidemiológica, ambiental, do
trabalho, sanitária, portos, aeroportos e fronteiras etc.). Outras funções da saúde, como o
atendimento às pessoas (individual e coletivo) são atividades comuns ao público e ao privado,
sem nenhuma exclusividade pública. Estas últimas não são funções privativas de estado e seus
executores poderiam ser regidos pelo regime estatutário ou celetista. Tanto as atividades de
saúde do SUS não é privativa do estado que, o próprio Poder Público, na área da saúde,
mantém, no âmbito do SUS (denominado participação complementar) boa parte de seus
serviços públicos executados, mediante contrato ou convenio, com o setor privado, conforme
prevê a própria Constituição, art. 199, § 1º. São atividades da saúde executados por
trabalhadores celetistas para a população usuária do SUS.
A terceira questão essencial é dizer que as opções do que fazer dos agentes políticos de
governo são regidas pelo bloco de constitucionalidade. Devem atender aos cinco princípios
constitucionais essenciais: legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência.
Agentes políticos só podem fazer o que a lei determina. Quanto a contratar servidores públicos
pela forma estatutária ou celetista é uma opção que cada governo vai poder fazer, claro que
mediante autorização legislativa em sua esfera.
A recentíssima decisão do STF de suspender a redação nova do Art. 39, caput, da CF, por ter
entendido que houver erro de forma (votação não correta, no Congresso, daquele texto), não
terá implicação com as fundações publicas estatais. Essas têm regime jurídico de direito
privado, conforme o têm as empresas publicas e as sociedades de economia mista, as quais
não estão obrigadas ao regime jurídico único. Esse é o entendimento de vários juristas.
As Fundações Públicas Estatais, administráveis sob o direito privado, já estão previstas e
legalmente autorizadas pela Constituição Federal. Elas não são nenhuma inconstitucionalidade
ou ilegalidade. O que o projeto de lei do Governo fez foi encaminhar a proposta de
regulamentação que estava faltando. Inclusive, nenhum Governo, pode, por livre arbítrio, decidir
que não vai regulamentar aquilo que a Constituição determina.
Pelo princípio inarredável da democracia, neste momento, a sociedade tem pleno direito de
questionar se quer que regule desta ou daquela maneira. Só depois de decidido pelo
Congresso, algo poderá acontecer no campo das Fundações Públicas Estatais, administradas
sob direito privado. Ainda podendo, sempre, argüir a inconstitucionalidade do decidido pelo
Congresso se se entender que há inconstitucionalidade numa lei. Isto é o jogo democrático
constitucional.
O repulsivo seria que pessoas que professem algum dos lados (individual, coletiva ou
institucionalmente) cometam estelionato intelectual falseando a verdade. Distorcendo termos e
conceitos. Manipulando pessoas a partir de seu desconhecimento. Agindo sob a ética da
corporação sem submetê-la à ética do cidadão. Que predomine e vença a verdade e o
interesse coletivo.

Essa matéria foi publicada na Revista RADIS/Fiocruz, edição de setembro/2007.
1)     Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - carvalhogilson@uol.com.br –
O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser copiado e divulgado, independente de   autorização e desde que sem fins comerciais.

2 comentários:

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  2. A constitucionalidade da passagem da administração de uma Fundação pública para uma pessoa de personalidade jurídica de direito privado, a meu ver, não se perfaz de uma discussão demasiada central. Certo que, invocando um dos princípios do direito, o da legalidade, estando previsto na lei a permissão para tal processo não é descabido sua aplicação. Esse modelo de administração, observando as Organizações Sociais, potencializa a capacidade operacional e administrativa dos serviços não privativos do Estado facilitando o acesso do público. Mas minhas ponderações são referentes ao modelo de contratação que são adotadas por estas entidades, dado o seu caráter privado, pois se baseiam em regras típicas de empresas privadas, somente observando a CLT. Sendo assim a contratação e dispensa de funcionários são feitas com mais celeridade, o que não quer dizer eficiência, prejudicando assim, no caso da saúde, a continuidade do corpo médico no tratamento de doenças específicas que carecem de acompanhamento de um mesmo profissional durante todo o processo de diagnóstico e possível cura. Mas essa peculiaridade pode também influenciar de maneira positiva, evitando o corpo mole que é típico de alguns servidores públicos. É um assunto controverso, entretanto somente com a abertura dos debates, dado a nossa capacidade democrática, é que se pode lapidar e acertar as arestas deste assunto novo e polêmico.

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