ARTIGO
Capital intelectual: verdades e mitos1
Maria
Thereza Pompa AntunesI; Eliseu MartinsII
IProfessora da Universidade Presbiteriana Mackenzie
IIProf. Titular do Departamento de Contabilidade e Atuária - FEA-USP
IIProf. Titular do Departamento de Contabilidade e Atuária - FEA-USP
RESUMO
Muito
se tem comentado que os relatórios fornecidos pela Contabilidade Financeira não
retratam certas realidades das empresas atualmente, tendo em vista o fato de o
valor contábil das ações estar muitas vezes abaixo do seu valor de mercado.
Esse contraste entre os dois valores vem sendo identificado como Capital
Intelectual e apresentado como um novo conceito de administração de empresas
que conduz à necessidade de aplicação de novas estratégias, de nova filosofia
de gestão e novas formas de avaliação do valor da empresa.
Este trabalho evidencia a verdadeira relação existente entre a Contabilidade e
o Capital Intelectual.
Desmistifica-se a novidade do conceito, pois comprova-se que o capital
Intelectual é parte integrante doGoodwill, conceito secularmente
conhecido e estudado pela Contabilidade. Os elementos intangíveis sempre foram
abordados pela Contabilidade e, da mesma forma, como nunca se desprezou a sua
importância, nunca se subestimou a sua complexidade.
Portanto, a Contabilidade não é falha na divulgação das informações por ela
registradas. Deve-se entender a finalidade de cada uma das Demonstrações
Contábeis, bem como os Princípios subjacentes a elas. A falta de conhecimento,
por vezes, conduz a conclusões precipitadas e errôneas.
Por outro lado, qualquer que seja o rótulo atribuído aos elementos intangíveis,
que sempre fizeram parte das organizações, entende-se e aceita-se que hoje,
cada vez mais, o conhecimento e o gerenciamento desses elementos são relevantes
para a gestão das empresas, pois o momento atual é caracterizado pela ampla
aplicação do recurso do conhecimento pelo homem, que se materializa em novas tecnologias,
sistemas e serviços (entendidos como ativos intangíveis) que agregam valor às
organizações.
Palavras-chave: Capital Intelectual, Goodwill ,
Ativos Intangíveis, Sociedade do Conhecimento.
ABSTRACT
It has been said many times that the statements
provided by Financial Accounting do not give a picture of certain realities of
companies nowadays, considering the fact that, often, the accounting value of
shares is below their market value.This contrast between the two values is
being identified as Intellectual Capital and presented as a new concept of
business administration that leads to the necessity of applying new strategies,
a new management philosophy and new ways of company valuation.
This article demonstrates the relation that actually exists between Accountancy
and Intellectual Capital.
The novelty of the concept is demystified since it is proven that Intellectual
Capital constitutes a component part of Goodwill , a concept
that has been known and studied by Accountancy for ages.The intangible elements
have always been dealt with by Accountancy and, in the same way as their
importance has never been disregarded, their complexity has never been
underestimated.
Therefore, Accountancy is not defective in its publication of the information
it registers.The purpose of each of the Financial Statements must be
understood, as well as the Principles on which they are built. Sometimes, the
lack of knowledge leads to precipitated and erroneous conclusions.
On the other hand, whichever the label attributed to the intangible elements,
which have always been a part of organizations, it is understood and accepted
that, nowadays, the knowledge about and administration of these elements are
more and more relevant for company management, since the current time is
characterized by the widespread application of the knowledge resource by man,
which is materialized into new technologies, systems and services (understood
as intangible assets) that add value to the organizations.
Key words: Intellectual
Capital, Goodwill , Intangible
Assets, Knowledge Society.
INTRODUÇÃO
Verifica-se
que nas últimas décadas vieram gradativamente ocorrendo mudanças na sociedade
que ora culminam num processo de globalização mundial, com rápido avanço das
tecnologias de produção, informática e de telecomunicação, assim como em outras
transformações que sugerem novas for-mas de percepção e interpretação da
sociedade como um todo.
Esse
período de gradativas mudanças na economia mundial vem sendo apontado por
muitos estudiosos do assunto como o período de transição de uma Sociedade
Industrial para uma Sociedade do Conhecimento, pois aos demais recursos
existentes, e até então valorizados e utilizados na produção - terra, capital e
trabalho -, junta-se o conhecimento, o que altera, principalmente, a estrutura
econômica das nações e, sobretudo, a forma de valorizar o ser humano.
A
aplicação do conhecimento vem impactando, sobremaneira, o valor das
organizações, pois a materialização da utilização desse recurso, mais as tecnologias
disponíveis e empregadas para atuar num ambiente globalizado, produze
benefícios intangíveis que agregam valor às mesmas.
Esse
conjunto de benefícios intangíveis denominou-se Capital Intelectual. O
aparecimento desse conceito conduz à necessidade de aplicação de novas
estratégias, de uma nova filosofia de administração e de novas formas de
avaliação do valor da empresa que contemplem o recurso do conhecimento.
Com
relação à Contabilidade empresarial tradicional, considera-se que um de seus
principais objetivos iniciais tenha sido o de apurar o resultado econômico e
financeiro de uma entidade, e ele continua forte até hoje. Entretanto, muito se
tem comentado nos últimos tempos que os relatórios fornecidos pela
Contabilidade Financeira2 não
retratam certas realidades das empresas, visto o valor contábil das ações
estar, muitas vezes, muito abaixo do seu valor de mercado, sugerindo, por
vezes, uma falha da Contabilidade em lidar com os novos valores da sociedade.
A
fim de preencher tal lacuna, supostamente deixada pela Contabilidade, o Grupo
Skandia3 desenvolveu
um modelo para mensurar o Capital Intelectual, justificado como a razão da
diferença entre o valor de mercado e o valor patrimonial das ações da empresa.
Para o Grupo Skandia, o Capital Intelectual veio como um novo conceito capaz de
justificar essa diferença e o modelo, desenvolvido para mensurá-lo, como uma
ferramenta gerencial eficaz para as empresas que participam do novo cenário
mundial, na crença de que investimentos nos elementos que produzem esse Capital
geram resultados positivos a médio e longo prazos.
Partindo-se
do princípio de que a aplicação do conhecimento nas organizações gera
benefícios intangíveis que impactam o valor das mesmas, a questão que se
formula é: o que a Contabilidade vem fazendo no sentido de mensurar esse valor
para cumprir com eficácia a sua função de fornecer informações relevantes aos
seus usuários?
Entende-se
que a Contabilidade deva estar participando ativamente desse novo cenário e
cumprindo seu papel de acordo com os objetivos pelos quais existe, dentro da
visão de Hendriksen & Breda (1992, p. 52) de que "o desenvolvimento
da Contabilidade foi estimulado pelas mudanças tecnológicas que foram, pelo
menos, tão dramáticas quanto as dos nossos dias e nossa época."
Entretanto,
ao mesmo tempo em que se julga que a Contabilidade não pode manter-se alheia
aos acontecimentos externos ao ambiente empresarial, defende-se que ela não
pode entregar-se sofregamente a novos temas que suscitam polêmicas, prevêem
revoluções e modelos que prometem ser a panacéia para as questões concernentes
à sua área de estudo. Espera-se, antes, que, por meio da averiguação e de
análises criteriosas, e utilizandose o método científico de pesquisa, levante
questões, responda a elas e, dessa forma, continue se fazendo ciência.
Assim
sendo, o principal objetivo deste artigo é o de evidenciar a verdadeira relação
existente entre a Contabilidade e o Capital Intelectual no tocante à mensuração
dos valores (ativos) intangíveis, por meio do conceito do Goodwill. Primeiramente, entretanto, julga-se necessário
comentar alguns aspectos das mudanças que culminaram com a introdução do
conceito de Capital Intelectual, bem como contextualizar a Contabilidade na
Sociedade do Conhecimento, relativamente à sua função e aos seus objetivos.
A
Sociedade Baseada no Conhecimento
Em
1968, portanto há 34 anos, Peter Drucker escreveu "Uma Era da
Descontinuidade" (1970, p.7-9), quando já percebia tendências que levariam
ao que intitulou: A Sociedade do Conhecimento. Naquela ocasião, Drucker apontou
descontinuidades em quatro áreas, que vale destacar:
"1.
Estão surgindo tecnologias genuinamente novas. É quase certo que elas criarão
novas indústrias importantes e novos tipos de grandes empresas e que tornarão,
ao mesmo tempo, obsoletas as grandes indústrias e empreendimentos atualmente
existentes. [...] As próximas décadas da tecnologia lembrarão, mais
provavelmente, as últimas décadas do século passado, quando nascia uma grande
indústria baseada em nova tecnologia poucos anos após o aparecimento de outra,
e não farão lembrar a continuidade tecnológica e industrial dos últimos
cinqüenta anos.
2.
Estamos diante de grandes mudanças na economia mundial. [...] O mundo
tornou-se, em outras palavras, um mercado, um centro de compras global.
3.
A matriz política da vida social e econômica está mudando celeremente. A
sociedade e a nação de hoje são pluralistas.
4.
Mas a mais importante das mudanças é a última. O conhecimento, nestas últimas
décadas, tornou-se o capital principal, o centro de custo e o recurso crucial
da economia. Isso muda as forças produtivas e o trabalho; o ensino e o
aprendizado; e o significado do conhecimento e suas políticas. Mas também cria
o problema das responsabilidades dos novos detentores do poder, os homens do
conhecimento."
As
tendências percebidas por Drucker, em 1968, hoje são uma realidade. Isto pode
ser verificado por proeminentes autores especialistas no assunto, como Alvin
Toffler, Ikujiro Nonaka, Hirotaka Takeuchi, Richard Crawford, Lester Thurow,
James Brian Quinn, Robert Reich, entre outros. Cada um a seu modo reconhece,
denomina e justifica a sociedade atual, assumindo o seu grande referencial: o
conhecimento.
Nonaka
& Takeuchi (1997, p. 5) justificam a importância do conhecimento para a
sociedade atual, citando Drucker: "Na nova economia o conhecimento não
é apenas um recurso, ao lado dos tradicionais fatores de produção - trabalho,
capital e terra - mas sim o único recurso significativo atualmente. [...] o
fato de o conhecimento ter-se tornado o recurso, muito mais do que apenas um
recurso, é o que torna singular a nova sociedade." Em outra obra,
Drucker (1993, p.23) reconhece o recurso do conhecimento como essencial e os
demais como restrições, pois sem terra, mão-de-obra e capital, nem mesmo o
conhecimento pode produzir.
Na
mesma linha de raciocínio, assim se expressa Toffler (apud Nonaka &
Takeuchi, 1997, p.5): "O conhecimento passou de auxiliar do poder
monetário e da força física à sua própria essência e é por isso que a batalha
pelo controle do conhecimento e pelos meios de comunicação está se acirrando no
mundo inteiro. [...] o conhecimento é o substituto definitivo de outros
recursos."
Referindo-se
especificamente às mudanças que o novo recurso está impondo às organizações,
Quinn (1992, p. 241) comenta:
"Com raras exceções, o poder
econômico e produtivo de uma moderna corporação está mais na capacidade de
serviços intelectual do que nos ativos tangíveis - terra, planta, equipamentos.
Está no valor do desenvolvimento do conhecimento baseado nos intangíveis, como
know-how de tecnologia, desenhos de produtos, marketing, compreensão das
necessidades dos clientes, criatividade pessoal e inovação. [...] provavelmente
três quartos do valor agregado a um produto derivam do conhecimento previamente
embutido nele."
Da
mesma forma, Lévy & Authier (1995, p. 24) argumentam que, assim como os
revolucionários da antigüidade preconizavam a reforma agrária e a partilha das
terras e os da era industrial visavam à propriedade dos meios de produção, hoje
é sobre o conhecimento que repousam a riqueza das nações e a força das
empresas.
O
importante a ressaltar dessas afirmações é que se atribui o nome de Sociedade
do Conhecimento, porque o conhecimento é considerado fator de produção,
juntamente à terra, ao capital e ao trabalho, não como fator substituto dos
demais, mas sim estabelecendo-se uma relação de interdependência entre eles. A
existência do recurso do conhecimento e a sua aplicação passam a ser
fundamentais para a sua continuidade e, como tão bem observou Drucker, o seu
significado precisa ser redimensionado.
Para
a devida compreensão do significado do recurso do conhecimento, deve-se fazer a
distinção entre dois tipos de conhecimento apontados por Nonaka & Takeuchi
(1997, p.7;63): Conhecimento Explícito e Conhecimento Tácito. O primeiro
consiste no conhecimento adquirido formalmente nas academias, nos livros,
periódicos etc. e é empregado como sinônimo de informação; o segundo consiste
no processo em que o indivíduo, por meio dos conhecimentos adquiridos
formalmente, mais a visão que possui do mundo e que é impactada por seu sistema
de crenças e valores e experiências adquiridas, trabalha e utiliza a informação
criando valor, ou seja, transformando seu conhecimento explícito em tecnologia,
novos produtos e serviços, sobressaindo-se de alguma forma.
No
meio empresarial, o conhecimento explícito passa a ser utilizado como base para
o desenvolvimento de novas habilidades, pois, sem estas, tornase improdutivo.
Constata-se que o acesso ao ensino formal para obtenção do conhecimento
explícito não é mais diferencial, pois a oferta desses profissionais é grande.
As empresas percebem que podem, no mínimo, manter-se eficientes com menos
recursos físicos e mão-de-obra especializada. Além disso, passam a ser
valorizados atributos como criatividade e a versatilidade, e não só a
racionalidade.
Em
relação à representatividade do trabalhador manual na evolução das
organizações, assim se expressa Drucker (1993, p.20):
" Quando Taylor começou a estudar
o trabalho, nove entre cada dez trabalhadores faziam trabalhos manuais,
produzindo ou movimentando objetos; isso acontecia em manufatura, agricultura e
transportes. [...] Quarenta anos atrás, nos anos 50, as pessoas empenhadas em
produzir ou movimentar objetos ainda constituíam a maioria em todos os países
desenvolvidos. Em 1990, elas haviam encolhido para um quinto da força de
trabalho e em 2010 não serão mais que um décimo. A Revolução da Produtividade
transformou-se em vítima do seu próprio sucesso. Daqui em diante, o que importa
é a produtividade dos trabalhadores não-manuais. E isso requer a aplicação do
conhecimento ao conhecimento."
Aceitando-se
o conhecimento como o novo fator de produção, que vem aliar-se aos já
existentes, instala-se um período de transformações, cujos efeitos estão se
espalhando mundialmente e alterando os sistemas político, social e econômico
dos países que se encontram em tal estágio de desenvolvimento. Isso porque,
embora as mudanças sejam hoje profundas e perceptíveis, são contínuas mas nem
sempre uniformes. Dão-se de forma gradativa e diferenciada, de acordo com o
grau de evolução econômica em que o país se encontra. É de se ressaltar que no
Brasil identificam-se características de uma economia pós-industrial (do
conhecimento), industrial e, ainda, de subsistência, dependendo da região
enfocada.
Em
resumo, entre as principais conseqüências do recurso do conhecimento para a
sociedade no geral, pode-se elencar as seguintes (ANTUNES, 1999, p.10-33):
•
a valorização do ser humano detentor do conhecimento;
•
a localização dos recursos de produção não mais como fator determinante para a
localização da produção, pois a tecnologia e os transportes disponíveis
resolvem essa questão;
•
a materialização do conhecimento em tecnologias substituindo em parte, ou
totalmente, a mão-deobra no processo produtivo;
•
a tendência acentuada para o crescimento do setor de serviços, mais
especificamente de entretenimento, softwares, serviços eletrônicos e, também,
em pesquisas nas áreas de biotecnologia, cibernética etc.;
•
os produtos consumindo menos recursos materiais e mais recursos intelectuais.
As
conseqüências do recurso do conhecimento e da tecnologia para as organizações
Os
avanços tecnológicos percebidos atualmente permeiam qualquer análise sobre as
mudanças nas estruturas organizacionais; mais especificamente, os impulsos em
ritmo acelerado nos sistemas de informação e de comunicação verificados nas
duas últimas décadas. A tecnologia da informação e das telecomunicações
possibilitou a globalização da economia. Esse novo cenário vem alterando,
sobremaneira, o ambiente externo às organizações em termos geográficos e
produtivos.
O
mercado de massa se desintegrou na medida em que os clientes, mais conscientes
de suas necessidades e diante da diversidade de opções, passaram a exigir
produtos e serviços que atendessem às suas necessidades, diferentemente do
comportamento apresentado após a Segunda Guerra Mundial, quando a produção em
massa e padronizada tomou pulso para atender à escassez dos mais diversos
produtos à época.
Ao
mesmo tempo, a concorrência aumentou sensivelmente, na medida em que produtos
semelhantes são vendidos em diferentes mercados pelo mundo, facilitados pelo
término das barreiras comerciais e pela formação de blocos de comércio que
estabelecem bases competitivas distintas e, ainda, pela diminuição do ciclo de vida
dos produtos, o que impele as empresas a desenvolverem e lançarem no mercado
produtos em tempo recorde.
Essa
competição vem ameaçando as posições garantidas pelas empresas em décadas
passadas, tornando urgente a aplicação do conhecimento e de know-how tecnológico
para se adaptarem às exigências do novo mercado, da nova situação econômica e,
assim, sobreviverem.
Brooking
(1996, p. 1), ao analisar as mudanças impostas às organizações atuais, conclui
que a utilização da tecnologia da informação e das telecomunicações, e a
necessidade de uma força de trabalho dependente da expertise e da tecnologia,
estão levando as empresas a aplicar métodos e habilidades muito diferentes dos
até então empregados para acessarem seus consumidores e provê-los de bens e
serviços.
A
referida autora aponta os seguintes aspectos, frutos da aplicação do
conhecimento e de tecnologia, como causas subjacentes ao desenvolvimento de
novos métodos e habilidades indispensáveis para a continuidade dos negócios:
• Criação
de novos serviços: a tecnologia da informação, além de substituir os
métodos manuais de trabalho, possibilitou a criação de novos serviços não
possíveis anteriormente. Exemplificando, tem-se a movimentação de bilhões de
dólares nas bolsas de valores espalhadas pelo mundo, os serviços de cartões de
crédito, reservas de vôos etc.
• Mudança
no conceito de espaço físico e de mercado: os
empregados não necessitam estar concentrados fisicamente para a realização do
trabalho, podendo acessar os clientes, gerentes e fornecedores via information highway. Da mesma forma, uma multinacional pode controlar
toda a cadeia produtiva e reunir os vários fatores de produção em nível
internacional, sem se comprometer com a produção em si, como é o caso da Nike, cuja produção é feita sob encomenda em fábricas
que pertencem a outras empresas a partir de modelos desenhados por
especialistas nos Estados Unidos. Em termos de mercado, a Internet tornou-se um
mercado virtual, onde se realizam compras e vendas de produtos e serviços, além
de possibilitar o acesso às informações de publicidade e propaganda das
empresas.
• Valorização
da marca: as empresas precisam de um símbolo ao qual o
cliente possa associálas, independentemente do local em que ele estiver, dada a
globalização dos mercados.
• Merchandising de intangíveis: o
valor da comercialização do produto intangível associado ao produto tangível
pode ultrapassar, em muito, este último. Exemplificando, tem-se o valor
arrecadado com a bilheteria de um filme de grande sucesso sendo superado pela
venda dos direitos de comercialização das imagens e dos persona-gens do filme,
como é o caso do Star Wars,
cuja receita de bilheteria foi de U$ 25,000,000.00 contra U$ 1,000,000,000.00
decorrentes da comercialização de seus personagens.
• Patente
de tecnologia: empresas que investem no desenvolvimento de novas
tecnologias necessitam tê-las patenteadas a fim de possibilitar a avaliação em
termos reais da própria empresa.
Considerando-se:
uma força de trabalho avaliada pelo seu conhecimento, pelo que ela pode
contribuir para o resultado da empresa e o investimento associado ao
treinamento dessa força; o sistema de informação desenvolvido para viabilizar o
trabalho nas organizações globalizadas e o conseqüente investimento realizado
em softwares; a impreterível existência de uma marca que identifique a empresa
num mercado global; o investimento realizado no desenvolvimento de novas
tecnologias e o respectivo custo de patenteá-las; enfim, considerando-se todos
os aspectos intangíveis que hoje fazem parte do mundo empresarial, cujo
gerenciamento tornou-se indispensável para a continuidade das empresas, pode-se
inferir que todos eles agregam valor às empresas.
Deve-se
considerar, ainda, que a automação da produção e o crescimento do setor de
prestação de serviços e de pesquisas alteram, radicalmente, a composição dos
custos dos produtos. Conseqüentemente, o sucesso das empresas estará dependendo
muito mais da administração dos recursos intelectuais do que da coordenação
física dos empregados que trabalham na produção.
Diante
do exposto, não se discute que essa realidade torna urgente o desenvolvimento
de novos conceitos no tocante à mensuração do valor das empresas, fato que vem
impactar diretamente o poder informativo dos relatórios contábeis, embora não
se possa desconsiderar que a Contabilidade sempre esteve atenta à questão dos
intangíveis, dada a vasta bibliografia existente a respeito do Goodwill .
O
Reflexo do Recurso do Conhecimento na Contabilidade
De
acordo com o Índice Mundial da Morgan Stanley, o valor médio das empresas nas
bolsas de valores do mundo é duas vezes o seu valor contábil e, nos Estados
Unidos, o valor de mercado de uma empresa varia normalmente entre duas a nove
vezes o seu valor contábil, (EDVINSSON & MALONE, 1998, p. 5).
Richard
Donkin, em artigo veiculado no Financial Times,
afirma que "as empresas vêm percebendo que o valor contábil de seus ativos
fixos está, em muitos casos, diminuindo em relação ao seu valor de mercado já
que este valor está sendo medido em termos da capacidade que possuem de
exploração de seu conhecimento." (apudGazeta Mercantil, 19.01.98).
A
Microsoft, maior fabricante de softwares no
mundo, se tornou a primeira companhia a superar US$ 500 bilhões em valores de
mercado na história, (Folha de S. Paulo, 17.07.99).
Verifica-se
que várias são as afirmações, a exemplo das mencionadas acima, de que o valor
das empresas no mercado (entende-se em bolsa de valores) está muitas vezes
acima do seu valor contábil (valor patrimonial), sugerindo uma certa falha da Contabilidade em mensurar tal valor.
Comentou-se,
também, anteriormente, que L. Edvinsson4, bem como
outros autores, vêm justificando a diferença entre o valor patrimonial das
ações e seu valor de mercado pela introdução de novos valores concentrados na
denominação de Capital Intelectual. Cabe ressaltar que se julga ser esta uma
forma muito simplista de justificar este fato, principalmente no que concerne à
função das Demonstrações Contábeis, especificamente do Balanço Patrimonial. É
importante destacar que não se entende que seja o Capital Intelectual o único
responsável por tal diferença.
Assim
sendo, dois aspectos devem ser considerados. O primeiro refere-se ao que se
entende como valor da empresa e valor contábil da empresa. O segundo refere-se
aos fatores que influenciam o valor de mercado das ações, levando-se em conta,
ainda, que as características do mercado acionário, bem como os Princípios
Contábeis e as normas contábeis praticadas devem ser consideradas como fatores
relevantes.
Com
relação ao que se entende como Valor da Empresa, define-se como "aquele
que os potenciais adquirentes estão dispostos a pagar pela compra do patrimônio
líquido de uma empresa, logo um valor de negociação." (Martins,1992,
p. 146).
Quanto
à questão de se afirmar que o Valor de Bolsa é o Valor da Empresa, parece ser
uma prática comum na literatura americana, onde o controle da empresa está
pulverizado e as ações estão quase todas disponíveis para negociação em bolsa.
E havendo liquidez para as ações, o valor de mercado de cada ação multiplicado
pelo número total de ações poderia ser tomado como o valor de mercado da
empresa. A realidade do Brasil é bem diferente, (Martins,1992, p. 146).
Nesse
contexto, também não se pode desprezar a dinâmica complexa que apresenta o
comportamento das ações negociadas em bolsa de valores. Segundo Fortuna (1996,
p. 297), "o preço de uma ação em bolsa é fruto das condições de mercado
(oferta e demanda) que reflitam as condições estruturais e comportamentais da
economia do País e específicas da empresa e de seu setor econômico."
Pode-se
afirmar que as cotações das ações estão sujeitas a vários fatores exógenos às
empresas, tais como fatores de natureza política e econômica e a outros tantos
contingenciais e, também, a fatores endógenos que repercutem no Capital
Intelectual.
É
de se ressaltar, ainda, que em um ambiente globalizado, como o atual, as
alterações nos ambientes externos às empresas são percebidos mundial e
simultaneamente, causando impactos de diversas intensidades.
Quanto
ao fato de as empresas serem negociadas várias vezes abaixo ou acima de seu
valor patrimonial, isso não representa algo tão absurdo quanto parece a muitos.
O
Valor Patrimonial da empresa é o valor contábil do seu patrimônio líquido. E
isso significa o valor investido pelos sócios mais seus reinvestimentos pelos
lucros já obtidos não distribuídos. Os princípios de avaliação contábil
utilizados não foram feitos para medir o valor de venda de uma empresa e sim
para apurar o resultado de suas atividades5. Assim, o valor
patrimonial está voltado ao que já ocorreu. Só que o valor de mercado de uma
empresa está associado ao seu valor futuro, ou melhor, à capacidade que seus
ativos possuem de gerar lucro no futuro. Este é o conceito de valor econômico
do ativo.
Iudícibus
(1998, p.60), ao questionar o que de fato se mensura em Contabilidade (se custo
ou valor), resume, de forma bem objetiva, a complexidade que envolve a questão
e, também, o quanto essa questão é conhecida e reconhecida pela classe
contábil. Segundo o autor:
"Mais importante, em toda a
discussão, é que o Contador, bem ou mal, conservadoramente ou agressivamente,
numa fase outra da evolução histórica, conforme se trate de Contabilidade
Financeira ou Gerencial tem a coragem de atribuir mensuração aos elementos do
ativo, passivo e PL, bem como aos fluxos de renda e de caixa. É, sem dúvida, a
profissão mais arrojada, pois pretende traduzir em demonstrações contábeis, em
números, notas explicativas e poucas evidenciações outras, uma realidade tão
complexa quanto a da entidade. Por isso é tão criticada, pois não consegue
agradar, nem aos tradicionalistas, muito menos aos que desejariam que o balanço
retratasse o valor da entidade na data, algo que um eventual comprador
consideraria, se quisesse adquirila. [...] Quanto mais evoluirmos em nossa
ciência, mais nos afastaremos do custo e mais nos aproximaremos do valor, sem ,
provavelmente, nunca alcançá-lo." (grifo do autor)
Considerando-se
tais aspectos, volta-se a afirmar que não se pode desprezar os efeitos
decorrentes da existência dos elementos que compõem o Capital Intelectual, quando
se refere aos fatores endógenos às empresas que influenciam seu valor de
mercado e à capacidade que os elementos componentes do Capital Intelectual
possuem de gerar lucros futuros.
Se
a nova realidade demonstra que esses elementos agregam valor às empresas, a
Contabilidade deve considerar tais ativos intangíveis e desenvolver uma forma
de evidenciá-los, se for esse o caso, mas não se pode esquecer que evidenciar o
valor da empresa não é objetivo do Balanço Patrimonial, pelo menos até o
momento. Portanto, fica claro que a mensuração das transações envolvendo o
patrimônio de uma entidade, cuja função pertence à Contabilidade, é
demasiadamente complexa e que as críticas ao Balanço Patrimonial não procedem
por inteiro.
O
Conceito do Capital Intelectual
Conforme
já comentado, o Capital Intelectual é um conjunto de benefícios intangíveis que
agregam valor às empresas.
Segundo
Brooking (1996, p.12-13), o Capital Intelectual pode ser dividido em quatro
categorias:
• Ativos
de Mercado: potencial que a empresa possui em decorrência dos
intangíveis que estão relacionados ao mercado, tais como: marca, clientes,
lealdade dos clientes, negócios recorrentes, negócios em andamento (backlog),
canais de distribuição, franquias etc.
• Ativos
Humanos: compreendem os benefícios que o indivíduo pode
proporcionar para as organizações por meio da sua expertise, criatividade,
conhecimento, habilidade para resolver problemas, tudo visto de forma coletiva
e dinâmica.
• Ativos
de Propriedade Intelectual: incluem os ativos que necessitam de proteção legal
para proporcionar às organizações benefícios tais como: know-how, segredos
industriais, copyright, patentes, designs etc.
• Ativos
de Infra-Estrutura: compreendem as tecnologias, as metodologias e os
processos empregados, como cultura, sistema de informação, métodos gerenciais,
aceitação de risco, banco de dados de clientes etc.
Edvinsson
& Malone (1998, p.9) empregam uma linguagem metafórica no intuito de melhor
conceituar o Capital Intelectual. Comparando uma empresa a uma árvore,
consideram a parte visível como tronco, galhos e folhas como o que está
descrito em organogramas, nas demonstrações contábeis e em outros documentos; e
a parte que encontra-se abaixo da superfície, no sistema de raízes, ao Capital
Intelectual que são os fatores dinâmicos ocultos que embasam a empresa visível
formada por edifícios e produtos.
Os
autores dividem os fatores ocultos em duas categorias:
• Capital
Humano: composto pelo conhecimento, expertise, poder de inovação e habilidade dos empregados
mais os valores, a cultura e a filosofia da empresa.
• Capital
Estrutural: formado pelos equipamentos de informática, softwares, banco de dados, patentes, marcas registradas,
relacionamento com os clientes e tudo o mais da capacidade organizacional que
apóia a produtividade dos empregados.
Edvinsson
& Malone observam que o relacionamento com os clientes, inserido no Capital
Estrutural, pode ser desdobrado em uma categoria separada como Capital de
Clientes, denotando maior importância deste item para o valor da empresa.
Os
referidos autores fazem, ainda, três afirmações dignas de nota(1998, p.39):
1.
O Capital Intelectual constitui informação suplementar e não subordinada às
informações financeiras;
2.
O Capital Intelectual é um capital não-financeiro, e representa a lacuna oculta
entre o valor de mercado e o valor contábil;
3.
O Capital Intelectual é um passivo e não um ativo.
Pode-se
verificar que não há divergência em relação aos elementos que formam o Capital
Intelectual, segundo os autores citados. Quanto às afirmações de Edvinson &
Malone, ressalta-se que a relação de suplementariedade que apresenta deve-se ao
fato de que em algum tempo no futuro o Capital Intelectual será convertido em
um valor monetário. A segunda afirmação já foi amplamente comentada; atenção
especial merece ser dada ao último ponto.
O
entendimento do Capital Intelectual como um passivo pode, num primeiro momento,
causar certo espanto. Entretanto, numa análise um pouco mais atenta à filosofia
do Capital Intelectual, verifica-se ser este um tratamento coerente, pois
retrata a idéia de valor corporativo ao considerá-lo como um empréstimo feito
pelos clientes, empregados etc., visto como fonte de capital (recursos).
Um
Modelo de Mensuração do Capital Intelectual
Nos
últimos anos, o Grupo Skandia vem despertando o interesse dos meios acadêmico e
empresarial e da mídia por ter sido o primeiro grupo a divulgar um relatório
contendo dados sobre a avaliação do Capital Intelectual de suas empresas. Esse
relatório foi distribuído aos acionistas em 1995, como suplemento das
Demonstrações Financeiras referentes a 1994 (GRUPO SKANDIA, 1994).
Considerando
que não é objetivo deste artigo apresentar o modelo de mensuração do Capital
Intelectual desenvolvido pelo grupo, optou-se por abordar de forma bem
simplificada a sua essência, dando-se maior ênfase à Fórmula de Mensuração do
Capital Intelectual.
O
grupo identificou certos valores de sucesso que deveriam ser maximizados e
incorporados à estratégia organizacional. Esses fatores, por sua vez, foram agrupados
em cinco áreas distintas de foco:
1.
Foco Financeiro.
2.
Foco Clientes.
3.
Foco Processo.
4.
Foco Renovação e Desenvolvimento.
5.
Foco Humano.
Para
cada um desses focos foram estabelecidos indicadores que permitem medir o seu
desempenho.6
A
fim de estabelecer uma equação que traduzisse em um número o valor do Capital
Intelectual, a Skandia estabeleceu os seguintes passos:
1.
Identificar um conjunto básico de índices que possa ser aplicado a toda a
sociedade com mínimas adaptações.
2.
Reconhecer que cada organização possa ter um Capital Intelectual adicional que
necessite ser avaliado por outros índices.
3.
Estabelecer uma variável que capte a não tão-perfeita previsibilidade do futuro
[sic], bem como a dos equipamentos, das organizações e das pessoas que nela
trabalham.
Assim
sendo, chegou à seguinte fórmula (Edvinsson & Malone, 1998, p.166):
Onde: C
= Valor monetário do Capital Intelectual i = Coeficiente de Eficiência
O
valor de C é obtido a partir de uma relação que contém os indicadores mais
representativos de cada área de foco, avaliados monetariamente, excluindo os
que pertencem mais propriamente ao Balanço Patrimonial. Esses indicadores
referem-se ao exercício social:
1.
Receitas resultantes da atuação em novos negócios.
2.
Investimento no desenvolvimento de novos mercados.
3.
Investimento no desenvolvimento do setor industrial.
4.
Investimento no desenvolvimento de novos canais.
5.
Investimento em Tecnologia da Informação (TI) aplicada a vendas, serviço e
suporte.
6.
Investimento em TI aplicada à administração.
7.
Novos equipamentos de TI.
8.
Investimento no suporte aos clientes.
9.
Investimento no serviço aos clientes.
10.
Investimento no treinamento de clientes.
11.
Despesas com clientes não-relacionadas ao produto.
12.
Investimento no desenvolvimento da competência dos empregados.
13.
Investimento em suporte e treinamento relativo a novos produtos para os
empregados.
14.
Treinamento especialmente direcionado aos empregados que não trabalham nas
instalações da empresa.
15.
Investimento em treinamento, comunicação e suporte direcionados aos empregados
permanentes em período integral.
16.
Programas de treinamento e suporte especialmente direcionados aos empregados
temporários de período integral.
17.
Programas de treinamento e suporte especialmente direcionados aos empregados
temporários de tempo parcial.
18.
Investimento no desenvolvimento de parcerias / joint-ventures.
19.
Upgrades no sistema.
20.
Investimentos na identificação da marca (logotipo/ nome).
21.
Investimento em novas patentes e direitos autorais.
O
Índice de Coeficiente de Eficiência do Capital Intelectual é obtido por meio
dos indicadores mais representativos de cada área de foco expressos em
porcentagens, quocientes e índices, cuja média aritmética dos índices permite
colocá-los em uma porcentagem única. Esses parâmetros referem-se ao presente:
1.
Participação de mercado (%).
2.
Índice de Satisfação dos Clientes (%).
3.
Índice de liderança (%).
4.
Índice de Motivação (%).
5.
Índice de investimento em Pesquisa & Desenvolvimento / Investimento total
(%).
6.
Índice de horas de treinamento (%).
7.
Desempenho / Meta de qualidade (%).
8.
Retenção dos empregados (%).
9.
Eficiência administrativa / Receitas (%).
Verifica-se
que a fórmula apresentada pela Skandia mede o Capital Intelectual em função da
quantidade de investimentos, medidos em termos monetários, realizados nos
elementos que podem ser mensurados objetivamente. Por exemplo: investimentos no
suporte aos clientes e investimentos em TI aplicada a vendas, serviço e
suporte. Estes investimentos poderão impactar a satisfação do cliente ou não.
Entretanto,
não consideram como Capital Intelectual o valor total do investimento (valor de
custo) realizado, mas apenas a proporção que reverterá para a empresa, a médio
ou longo prazos, medida em função do índice percentual de satisfação dos
clientes (indicador não-financeiro). Assim sendo, pode-se concluir que a medida
de Capital Intelectual apresentase, à primeira vista, como um número, portanto,
uma mensuração aparentemente objetiva, mas dada a própria natureza de alguns
índices, é composta por um certo grau de subjetividade.
O
conceito do Goodwill
Considerando
a complexidade que envolve o tema Goodwill, e o objetivo do presente artigo, pretende-se
apenas estabelecer alguns aspectos quanto à sua natureza, avaliação e
classificação que possibilitarão uma comparação com o conceito do Capital
Intelectual.
Monobe
(1986, p. 51), em sua tese de doutoramento intitulada "Contribuição à
mensuração e contabilização dogoodwill adquirido",
observa que a primeira aparição do Goodwill foi
vinculada à terra [em 1571] e gradativamente foi sendo relacionado com o
comércio, com a atividade industrial, à fidelidade da clientela, com a
localização privilegiada, à personalidade dos proprietários, a processos
industriais, a conexões financeiras e a staffs eficientes.
Todos
esses fatores foram sendo apontados como os responsáveis (ou fatores contribuintes)
pela geração de lucro da empresa a longo prazo e não reconhecidos pela
Contabilidade. Essa característica persiste até hoje para certos fatores e para
outros tantos que foram sendo acrescidos na medida em que os ativos intangíveis
não contabilizados ou não identificados foram aumentando proporcionalmente aos
demais ativos devido à sofisticação dos negócios (Monobe, 1986, p.51-52, 63).
É
sabido que a Contabilidade Financeira reconhece e contabiliza o Goodwill apenas
quando ocorre a compra de uma empresa.
Quanto
ao seu valor, o referido autor afirma que, numa conceituação moderna, o Goodwill corresponde
à diferença entre o valor atual da empresa como um todo, em termos de
capacidade de geração de lucros futuros, e o valor econômico dos seus ativos apresentando,
portanto, uma característica residual (Monobe, 1986, p. 65).
Segundo
o The Chartered Institute of Management Accountants, o mais importante instituto de contadores
gerenciais do Reino Unido, em sua Terminologia Oficial de Contabilidade Gerencial
(CIMA, 1996, p. 87), Goodwill é
definido como a diferença entre o valor de um negócio como um todo e a soma dos
ativos individuais avaliados pelo seu valor justo.
Tendo
em vista as duas significativas definições apresentadas, pode-se inferir que
não existe um consenso sobre o critério de valor a ser utilizado, cujo
aprofundamento, conforme já dito, não é o objetivo no momento. Entretanto,
quanto à sua característica residual não há dúvidas.
Soma-se
aos conceitos anteriores um outro que identifica a ocorrência da sinergia numa
empresa. Sob esse conceito, mesmo que se tenha identificado e mensurado
economicamente todos os ativos tangíveis e intangíveis, a soma desses valores
individuais deveria ser menor do que a soma do seu conjunto. Em outras palavras
significa dizer que o Goodwill sempre
deveria existir sob a ótica sinérgica.
Classificação
do Goodwill
Conforme
a classificação de Coyngton (apud MARTINS, 1972, p. 74), valendo ressaltar que
é datada de 1923, oGoodwill assume
a seguinte divisão:
• Goodwill Comercial: criado
em função exclusivamente da empresa como um todo, independente das pessoas
proprietárias ou administradoras.
• Goodwill Pessoal: decorrente
de uma ou várias pessoas que integram a empresa, sendo proprietária (s) ou
administradora (s).
• Goodwill Profissional: desenvolvido por uma classe profissional que cria
uma imagem que a distingue dentro da sociedade propiciando condições de alta
remuneração, como no caso dos médicos, advogados e contadores em alguns países.
• Goodwill Evanescente: característico de certos produtos que a moda cria e
que, portanto, possuem curta duração.
• Goodwill de
Nome ou Marca Comercial: ocasionado pela imagem do nome da empresa que produz o
produto ou da marca sob o qual é comercializado. Distingue-se do anterior dada
a durabilidade.
Admitindo-se
a classificação para o Goodwill de
Paton & Paton (apud Martins, 1972, p. 73), divulgada em 1952, tem-se:
• Goodwill Comercial: decorrente
de serviços colaterais como equipe cortês de vendedores, entregas convenientes,
facilidade de crédito, dependências apropriadas para serviço de manutenção;
qualidade do produto em relação ao preço; atitude e hábito do consumidor como
fruto de nome comercial e marca tornados proeminentes em função de propaganda
persistente; localização da firma.
• Goodwill Industrial: decorrente de altos salários, baixo turnover de
empregados, oportunidades internas satisfatórias para acesso às posições
hierárquicas superiores, serviço médico, sistema de segurança adequado, desde
que tais fatores contribuam para a boa imagem da empresa e também para a
redução do custo unitário de produção, devido à eficiência de uma força de
trabalho operando nessas condições.
• Goodwill Financeiro: derivado
da atitude de investidores e de fontes de financiamento e de crédito em função
de a empresa possuir sólida situação para cumprir suas obrigações e manter sua
imagem ou, ainda, obter recursos financeiros que lhe permitam aquisições de
matéria-prima ou mercadorias em melhores termos e preços.
• Goodwill Político: decorrente
de boas relações com o Governo.
Goodwill versus Capital Intelectual
Ao
se observar os fatores responsáveis pela formação do Goodwill ,
segundo Catlett & Olson (apud MARTINS, 1972, p. 75), e pela formação do
Capital Intelectual, segundo Brooking (1996, p. 17), podem ser identificados
vários pontos em comum, conforme visto a seguir:
A)
Fatores que geram o Goodwill :
•
Administração superior.
•
Organização ou gerente de vendas proeminente.
•
Fraqueza na administração do competidor.
•
Propaganda eficaz.
•
Processos secretos de fabricação.
•
Boas relações com os empregados.
•
Crédito proeminente como resultado de uma sólida reputação.
•
Excelente treinamento para os empregados.
•
Alta posição perante a comunidade, conseguida através de ações filantrópicas e
participação em atividades cívicas por parte dos administradores da empresa.
•
Desenvolvimento desfavorável nas operações do competidor.
•
Associações favoráveis com outra empresa.
•
Localização estratégica.
•
Descoberta de talentos ou recursos.
•
Condições favoráveis com relação aos impostos.
•
Legislação favorável.
É
relevante observar que os autores admitem a impossibilidade de listar todos os
fatores e condições, devido à própria natureza do Goodwill.
B)
Fatores que geram o Capital Intelectual:
Conhecimento,
por parte do funcionário, do que representa o seu trabalho para o objetivo
global da companhia.
•
Funcionário tratado como um ativo raro.
•
Esforço da administração para alocar a pessoa certa na função certa,
considerando suas habilidades.
•
Existência de oportunidade para desenvolvimento profissional e pessoal.
•
Avaliação do retorno sobre o investimento realizado em Pesquisa &
Desenvolvimento (P&D).
•
Identificação do know-how gerado
pela P&D.
•
Identificação dos clientes recorrentes.
•
Existência de uma estratégia proativa para tratar a propriedade intelectual.
•
Mensuração do valor da marca.
•
Avaliação do retorno sobre o investimento realizado em canais de distribuição.
•
Sinergia entre os programas de treinamento e os objetivos corporativos.
•
Existência de uma infra-estrutura para ajudar os funcionários a desempenhar um
bom trabalho.
•
Valorização das opiniões dos funcionários sobre os aspectos de trabalho.
•
Participação dos funcionários na elaboração dos objetivos traçados.
•
Encorajamento dos funcionários para inovar.
•
Valorização da cultura organizacional.
O
valor do Goodwill de
uma empresa, segundo observou Monobe (1986, p. 62), seja na sua forma
convencional ou na forma definida como sinergístico, estará sempre relacionado
com a capacidade de geração de lucros dessa empresa. Da mesma forma, os autores
até então citados relacionam o Capital Intelectual à geração de lucros a longo
prazo. Estas duas afirmações se enquadram na definição de ativo, valendo
ressaltar que os autores consideram o Capital Intelectual como tal.
Um
outro ponto importante trata do nascimento do Capital Intelectual. Para
Brooking (1996, p.12), o Capital Intelectual começou quando o primeiro vendedor
estabeleceu um bom relacionamento com o seu cliente, o que se denominou Goodwill.
Já
Edvinsson & Malone (1998, p.11) consideram que o Capital Intelectual pode
apresentar-se como uma nova teoria, mas que ele esteve sempre presente na forma
de bom senso (considerado um dos elementos do Goodwill) e que o interesse em entender a diferença entre o
valor de mercado de uma empresa e o seu valor contábil sempre existiu. O que se
modificou foi a forma de entender esse diferencial. Antes ele era atribuído a
fatores inteiramente subjetivos e que, portanto, jamais poderiam ser medidos
empiricamente.
A
afirmação dos autores sugere que o Capital Intelectual iniciou-se a partir do Goodwill, quando de seu conceito inicial e limitado,
sugerindo, ainda, uma precipitada aglutinação dos dois conceitos. Isto pode ser
confirmado comparando as classificações de ambos e os fatores responsáveis por
suas formações. Entretanto, a afirmação de H.Thomas Johnson7, ao considerar
que o Capital Intelectual encontra-se escondido no interior do "mais
misterioso lançamento contábil [sic], aquele referente ao Goodwill" (apud EDVINSSON & MALONE, 1998, p. 4),
dá-nos uma idéia de complementaridade. Quanto à questão de identificação de
tais elementos, esta apresenta-se de forma muito mais complexa do que pode
parecer à primeira vista, conforme a literatura consultada.
Monobe
(1986, p. 55), ao se referir à problemática da identificação do Goodwill, assume que "um dos problemas subsistentes continua
sendo a linha divisória entre o valor atribuível ao Goodwill e
aqueles atribuíveis a outros intangíveis, o que acarreta especialmente
dificuldade na sua mensuração".
Assim
sendo, conclui-se que o modelo desenvolvido para mensuração do Capital Intelectual
pode ser entendido como uma tentativa de identificar e mensurar alguns dos
fatores (ativos intangíveis) que contribuem para a geração de lucros futuros,
minimizando a quantidade de intangíveis não identificados e, conseqüentemente,
o valor do Goodwill .
Conclui-se,
portanto, que os idealizadores do modelo estão resolvendo parte dos componentes
subjetivos doGoodwill e não o problema do Goodwill na
sua totalidade, ou melhor: "explicando a diferença entre o valor contábil
e o valor de mercado", como se referem, muito embora de uma forma ainda
subjetiva, dada a fórmula desenvolvida pelos autores e citada anteriormente.
Por
outro lado, supondo que consigam identificar e mensurar objetivamente cada
elemento que compõe o Capital Intelectual (ou seja, todos os elementos que
estão classificados e agrupados como Capital Intelectual), oGoodwill continuaria
existindo, segundo o conceito do Goodwill Sinergístico.
CONCLUSÃO
O novo rumo da economia encontra-se fundamentado em idéias. O número de pessoas engajadas no processo de pesquisa, criando técnicas, materializando idéias, desenvolvendo novas oportunidades de negócios, tende, cada vez mais, a superar o número de pessoas que estarão trabalhando diretamente na produção física, a mesma proporção ocorrendo em relação ao montante de recursos financeiros e de conhecimento investidos. Isso tornará essencial que se realizem profundas modificações na estrutura e na administração das empresas para que continuem competitivas.
Entretanto,
o conhecimento só gerará valor para uma entidade se esta puder ter contado com
os novos conhecimentos produzidos e ser acessada de forma que isso possa
conduzir a novos conhecimentos.
A
história do desenvolvimento do conhecimento contábil, especificamente a
bibliografia existente sobre oGoodwill, mais as constatações
evidenciadas neste artigo demostram que a percepção da importância e a
preocupação em identificar os elementos intangíveis que interagem no sistema
empresa e que, conseqüentemente, agregam valor a médio e longo prazo, não são recentes.
As
palavras de Iudícibus (1988), mais atuais, podem ilustrar o desafio com o qual
a Contabilidade vem deparando e ratificar a posição assumida de que a mesma vem
trabalhando no sentido de que o Sistema de Informações Contábeis possa divulgar
as informações realmente relevantes para tomada de decisões, obviamente
respeitando os objetivos de cada relatório divulgado. Segundo o referido autor:
"Normalmente, o Sistema de
Informação Contábil está enfatizado com relação ao passado e não focalizado
para o futuro. Para esta última hipótese ocorrer, temos que não
ter receio de lidar com ojulgamento, com o potencial e com o que é intangível, em lugar do que é verificável, realizado etangível. (...) Exemplificando, atribuo
mais importância ao intangível de um balanço, como elemento de discernimento no
que se refere à potencialidade da entidade do que, às vezes, aos elementos
tangíveis." (grifo do autor)
De
fato, o modelo desenvolvido pelo Grupo Skandia busca contemplar esse mecanismo
de captar, avaliar e gerenciar os conhecimentos adquiridos na busca de novos
conhecimentos que produzirão benefícios a médio e longo prazos para as
organizações e, como tal, constitui-se numa excelente ferramenta à disposição
da gerência, útil nas decisões estratégicas por apontar tendências.
Por
outro lado, não se considera que tenham resolvido a questão dos intangíveis
objetivamente, conforme demonstrado.
Este
artigo procurou evidenciar a verdadeira relação existente entre a Contabilidade
e o conceito de Capital Intelectual e, portanto, pode-se concluir, conforme
demonstrado, que:
•
a preocupação da Contabilidade em identificar e mensurar os valores intangíveis
de uma empresa não é recente;
•
os autores citados assumem a existência do Capital Intelectual há séculos,
tendo como origem oGoodwill;
• Goodwill e
Capital Intelectual fazem parte do mesmo fenômeno, pois os fatores que
identificam a existência de um valor a mais numa organização, e que integram o
Capital Intelectual, já faziam parte do Goodwill, segundo pode ser verificado pelas classificações
mencionadas e datadas da primeira metade deste século, podendo ser justificada
a inclusão de novos elementos pela evolução natural da sociedade;
•
o conceito de Capital Intelectual é uma tentativa de identificar e mensurar
tais intangíveis que, enquanto não mensurados, resultam em parte do Goodwill;
•
Capital Intelectual é um conceito que identifica e agrupa elementos intangíveis
(de acordo com as classificações apresentadas) que antes pertenciam ao Goodwill ,
considerando-se o Goodwill como
resultante da não aceitação pela Contabilidade Financeira de vários itens como
componentes do ativo, em virtude, principalmente, dos Princípios do Custo como
Base de Valor e o da Confrontação das Despesas com as Receitas, mais as
Convenções da Objetividade e do Conservadorismo.
Portanto,
o Goodwill apresenta-se
como um conceito mais abrangente do que o do Capital Intelectual, considerando
todas as conclusões. E, principalmente, Capital Intelectual não é um conceito
novo e, muito menos, desconhecido pela Contabilidade.
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VALOR
da Microsoft supera US$ 500 bi. Folha de S. Paulo.
2º caderno, p. 12, São Paulo, 17 julho 1999.
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Recebido
em agosto/2001
1 Este
trabalho foi apresentado no XVI Congresso Brasileiro de Contabilidade -
Goiania!GO, em ontnbro de 2000.
2 Relatorios divnlgados para nsnirios externos e, no Brasil, segnndo a Legislayao das Sociedades por Ayoes.
3 A Skandia e o qnarto maior grnpo financeiro do mnndo atnando na irea de prestayao de serviyos financeiros e de segnros e o maior grnpo da Escandinivia.
4 Leif Edvinsson e Gerente para Capital Intelectnal do grupo Skandia, um dos autores do modelo de mensuração desenvolvido pelo Grupo e publicon a obra "Intellectnal Capital" em co-antoria com o jornalista M.S. Malone.
5 O Principio do Cnsto como Base de Valor dos Ativos esti voltado á mensnração do Lucro, e não á medida do sem valor de venda (Martins, 1992, p.145).
6 Para maior detalhamento ver: EDVINSSON & MALONE, 1998.
7 H. Thomas Johnson e professor de Administração de Empresas na Portland State University, Oregon.
2 Relatorios divnlgados para nsnirios externos e, no Brasil, segnndo a Legislayao das Sociedades por Ayoes.
3 A Skandia e o qnarto maior grnpo financeiro do mnndo atnando na irea de prestayao de serviyos financeiros e de segnros e o maior grnpo da Escandinivia.
4 Leif Edvinsson e Gerente para Capital Intelectnal do grupo Skandia, um dos autores do modelo de mensuração desenvolvido pelo Grupo e publicon a obra "Intellectnal Capital" em co-antoria com o jornalista M.S. Malone.
5 O Principio do Cnsto como Base de Valor dos Ativos esti voltado á mensnração do Lucro, e não á medida do sem valor de venda (Martins, 1992, p.145).
6 Para maior detalhamento ver: EDVINSSON & MALONE, 1998.
7 H. Thomas Johnson e professor de Administração de Empresas na Portland State University, Oregon.
On-line version ISSN 1808-057X
Rev. contab. finanç. vol.13 no.29 São Paulo May/Aug. 2002
http://dx.doi.org/10.1590/S1519-70772002000200003
Fonte: Scielo.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1519-70772002000200003&script=sci_arttext>.
Matéria postada por Werley Novais.
Fonte: Scielo.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1519-70772002000200003&script=sci_arttext>.
Matéria postada por Werley Novais.
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